Número de reclamações contra construtoras mais do que dobrou nos últimos dois anos. Cobrança de juros excessivos e atrasos na entrega são as principais queixas
Ao mesmo tempo em que vem tornando possível a realização do sonho da casa própria para milhares de pessoas, o volume recorde de crédito para o financiamento imobiliário trouxe também um efeito colateral para os consumidores. Acompanhando o ritmo de crescimento do mercado, o número de registros referente a problemas com construtoras mais que dobrou nos últimos dois anos, segundo dados da Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa ao Consumidor (Procon-PR). No primeiro semestre deste ano, o órgão registrou 230 ocorrências, uma média de cinco atendimentos sobre o setor a cada quatro dias e um crescimento de 125% sobre o mesmo período de 2008. Em relação ao mesmo período do ano passado, o aumento foi de 70% no volume de reclamações. Por trás desses números estão proprietários frustrados por problemas contratuais, como a cobrança indevida de juros ou atraso na entrega das chaves ou por falhas estruturais do próprio imóvel, como rachaduras e trincas, infiltrações ou uso de material diferente do que conta no memorial descritivo.
“A compra do imóvel próprio é o segundo ato civil mais importante na vida do brasileiro, depois do casamento. O problema é que, com o acesso ao crédito cada vez mais fácil e rápido, as pessoas visitam a imobiliária e já saem de lá com o contrato assinado, sem submetê-lo à análise de um advogado, o que é imprescindível”, afirma o presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), José Geraldo Tardin.
E foi tentando conciliar os dois eventos que o engenheiro Délcio Waculicz e a jornalista Camila Canassa Santos programaram a compra de um apartamento. A data do casamento foi escolhida em função da programação de entrega do imóvel e o casal optou por uma unidade no edifício Manhattan Residence, da Habitel Engenharia e Construções. O contrato foi assinado em março de 2009, com uma entrada de R$ 40 mil e previsão de entrega para maio.
“Escolhemos esse imóvel justamente pela data de entrega, pois a outra opção iria demorar mais a construção. No fim, aquele ficou pronto e o nosso ainda não foi entregue”, desabafa Waculicz que, há cinco meses está morando com a esposa em um flat, devido ao atraso de um ano e dois meses na conclusão da obra.
Segundo ele, após adiar por quatro vezes a entrega do imóvel, a construtora alega que a demora está relacionada a dificuldades na aprovação da ligação da rede de esgoto. O casal pretende entrar na Justiça pedindo o ressarcimento do valor gasto no aluguel do flat, cerca de R$ 900 por mês.
Além do transtorno pelo descumprimento do prazo, problemas com o memorial descritivo do imóvel também desagradam aos proprietários. Segundo Waculicz, o contrato previa a construção em concreto armado, entretanto a obra foi erguida em alvenaria estrutural. Para a construtora, a mudança pode ter significado uma economia de 30% e, para os proprietários, a desvalorização do imóvel. Outro problema encontrado foi nos forros do banheiro. “Na descrição estava que o forro seria em gesso, mas quando fomos ver o apartamento, eles colocaram o forro em PVC”, conta Délcio. Cerca de 62 proprietários estariam na mesma situação.
O representante comercial Darlan Simão, que também aguarda a liberação do imóvel para se mudar com a esposa, reclama da falta de transparência da empresa. “A construtora nunca entrou em contato avisando sobre o atraso, sempre nós que tínhamos que ir atrás para saber o que estava acontecendo”, reclama. Segundo ele, a questão do esgoto é que estaria impedindo a mudança para o apartamento novo. “O mais duro é ver uma obra pronta e não poder morar”, desabafa.
Tardin, presidente do Ibedec, lembra que o prazo de entrega estabelecido em contrato não pode ser excedido sem que o consumidor seja compensado. Segundo ele, os próprios contratos preveem cláusulas de prorrogação automática, em geral, de 180 dias. “Mas a própria Justiça entende que a cláusula só tem validade em casos fortuitos ou de força maior e desde que o consumidor seja notificado formalmente”. O atraso na entrega das chaves ao consumidor dá direito a estes de requerer o valor proporcional ao valor do aluguel do imóvel adquirido no tempo decorrido até sua entrega definitiva, além de indenização por danos morais. Disputa judicial motivou o atraso, alega construtora
Uma “briga de vizinhos” estaria por trás do atraso na entrega da obra da construtora Habitel, de acordo com o diretor da empresa, Mauri Amaral. Uma disputa jurídica com o condomínio Villa Real, localizado ao lado do Manhattan Residence, teria impedido a ligação da rede de esgoto e o consequente atraso na entrega das unidades. “O problema existe, tanto para os compradores quanto para a construtora”, afirma.
O impasse existe porque a rede de esgoto mais próxima do empreendimento é a do condomínio Villa Real, cuja síndica não teria autorizado a execução da ligação, que obrigatoriamente passaria junto ao seu terreno. Outra solução possível, a construção de uma rede de esgoto paralela, também exigiria a passagem ao lado dos terrenos de número 6 e 7, de propriedade da síndica, por conta da topografia da região.
Segundo Amaral, a Habitel solicitou à Sanepar que fizesse a ligação de esgoto da obra. “A síndica simplesmente não autorizou os funcionários a realização da ligação”. Diante da negativa, a construtora conseguiu na Justiça uma liminar autorizando a ligação. “Mesmo assim, quando a Sanepar foi fazer a ligação, foi impedida pela síndica, que em seguida conseguiu uma liminar na vara da Fazenda Pública proibindo a execução da obra”.
Recentemente, afirma Amaral, os moradores do condomínio vizinho destituíram a síndica e se propuseram a resolver a questão de forma negociada. “Provavelmente ainda nesta semana haverá uma reunião para resolver a questão. Estou otimista de que nos próximos dias teremos uma solução encaminhada”, avalia.
O diretor garante ainda que não existe nenhum problema que envolva a documentação legal do empreendimento. “A obra está regular, com toda a documentação em ordem; seja alvará, habite-se ou certificado de conclusão da obra”, afirma.
Sobre a questão do memorial descritivo, o diretor afirma que, após solicitação dos proprietários, todos os forros foram trocados de PVC para gesso. Já a questão do método de construção estaria especificada na documentação da obra como sendo de alvenaria estrutural. Mesmo assim, ele ressalta que a isso não interfere no valor do imóvel. “Não há nada que deprecie, que prejudique a qualidade ou a habitabilidade do imóvel. É uma modernidade, e não um retrocesso. Não houve uma mudança para violentar os direitos do consumidor”, afirma.
Colaborou Taysa Dias.
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?utm_source=twitter_economia&utm_medium=referral&id=1021410&tit=O-pesadelo-da-casa-propria
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